Com o avanço da digitalização na educação, muitas redes de ensino públicas firmaram parcerias com empresas de tecnologia educacional – também conhecidas como Edtechs – durante e após a pandemia. Se o primeiro momento foi de urgência, agora há mais tempo para usar critérios objetivos, garantindo que o uso desses serviços realmente beneficie os estudantes.A secretaria de educação pode aproveitar o momento da renovação para estimular que o fornecedor aprimore o serviço, destaca Julia Sant’Anna, diretora-executiva do CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira).
“Quanto mais trouxer monitoramento do resultado de aprendizagem, melhor.” Se for uma solução usada pelo professor, por exemplo, é preciso saber se ele acessou e realmente a utilizou. É possível ainda verificar os resultados das avaliações diagnósticas dos estudantes.
Para isso, estados e municípios devem adotar processos transparentes de contratação e renovação, buscando informações sobre a idoneidade das empresas e sobre a efetividade pedagógica das soluções oferecidas.
Uma nota técnica do CIEB sobre recursos educacionais pedagógicos de matemática traz uma matriz de referência de pontos a serem observados.
Entre eles estão: aderência ao currículo, integração e monitoramento da utilização do professor e processo de formação bem sustentado. “É útil para que os fornecedores possam melhorar seus produtos e expliquem com clareza o que oferecem”, diz Julia.
A secretaria precisa saber exatamente o que quer. “O material permite exercitar melhor a especificação. Com isso, pode-se pensar na fiscalização do contrato. Quanto mais claro for o objeto, maior a certeza de que a solução será encontrada no processo licitatório, garantindo a fiscalização e que todos serão bem atendidos.”
A implementação exige uma boa formação dos usuários, a verificação de que o recurso digital é condizente com a realidade local e o estabelecimento de indicadores. “É importante que o gestor faça ciclos de monitoramento e uma implementação cuidadosa. Como o uso de tecnologia é muito sensível, deve ser progressivo, simples, responsável e que fortaleça a visão de que pode dar certo”, explica a diretora-executiva.
Para Christian Brackmann, professor do IFFAR (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha) na área de computação e consultor da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em Inteligência Artificial, as secretarias de educação precisam refletir se cumprem a resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB nº 1, de 4 de outubro de 2022), que estabelece a inclusão das competências e habilidades da área de computação na educação básica.
Deve haver consenso com o Conselho Estadual ou Municipal de Educação quanto à forma de adoção — se como componente curricular específico ou de maneira transversal, segundo o professor. “A partir dessa definição, é necessário analisar se os contratos firmados com edtechs estão alinhados a essa opção, se contemplam as competências estabelecidas na resolução, se preveem ações de formação para os professores em exercício e se incluem assessoria técnica para apoiar a implementação da computação na rede de ensino.”
Diferentes modelos de contratação podem ser utilizados pelas secretarias para comprar serviços de tecnologia, segundo a advogada e professora do Insper Patricia Pessoa Valente, que foi uma das consultoras jurídicas no Programa Impulsionar.
A iniciativa do terceiro setor apoiou secretarias municipais no desenvolvimento de estratégias de prevenção e redução de defasagens em língua portuguesa e matemática de estudantes do sexto ao nono ano, por meio de um modelo pedagógico e do apoio de organizações educacionais que oferecem serviços de implementação e formação de professores, além da utilização de recursos educacionais digitais.
O programa foi coordenado pela aceleradora de impacto Quintessa, com apoio técnico do Instituto Reúna e financiamento da Fundação Lemann, BID Lab e Imaginable Futures.
O trabalho resultou na publicação de um “Guia de Monetização”, que aborda formas de relação das edtechs com o poder público. Há opções de contratação direta, como a dispensa de licitação pelo valor ou a inexigibilidade de licitação; e de contratação por meio de licitação, como pregão, concorrência, concurso, diálogo competitivo e licitação para contratação de solução inovadora.
A grande novidade na área, de acordo com Patricia, é o Marco Legal das Startups, que pode ser usado com sucesso na educação mesmo que não seja específico para a área. A principal mudança está no procedimento de escolha, diferente do usual.
“Pode-se imaginar que tem critérios menos objetivos, mas são mais abertos pela natureza da contratação. Continua tendo edital, transparência, só que no lugar de dizer o objeto que quer contratar, fala em desafios. É possível contratar mais de uma solução com critérios de seleção como a maior capacidade de entrega da startup ou se é possível escalar (o serviço) na rede pública”, afirma a advogada.
Melhor forma de evitar a corrupção, a transparência é fundamental no processo e deve estar presente por obrigações legais. Além disso, a administração pública tem que deixar claro o motivo de suas decisões. “É dever da atividade administrativa a fundamentação técnica para justificar a escolha de um serviço e não de outros. Tem que comparar alternativas e demonstrar que a decisão foi a melhor. A partir disso, os órgãos de controle fazem a fiscalização.”
Para Patricia, há ainda uma grande preocupação com a formalidade da contratação, enquanto perguntas sobre o valor público das soluções ficam de lado. “O futuro é que a contratação se dará por meio de impacto.”
Também consultor jurídico do Programa Impulsionar, Eduardo Spanó, diretor executivo do Instituto Jataí – organização sem fins lucrativos que atua na área de compras públicas – apoiou os municípios na compra dos serviços de tecnologia.
O programa atuou na realização das três primeiras licitações pelo Marco Legal de Startups na educação em 2021. “O marco permite lançar desafios para o ecossistema de inovação, selecionar as soluções que mais têm potencial de resolver os problemas públicos e realizar contratos de teste antes de iniciar o fornecimento para a rede de educação”, diz Eduardo.
As redes devem observar três pontos na hora da contratação ou renovação: o problema a ser resolvido, as opções do mercado e os critérios de seleção. A escolha apenas pelo menor preço deve ser evitada, pois, segundo a consultora, ‘Por medo de cometer alguma irregularidade, as redes dialogam pouco com o mercado para saber o que está à disposição. O órgão público precisa conhecer para comparar e selecionar a melhor solução.
A tendência é que os novos contratos sejam mais transparentes. Desde o ano passado, as contratações podem ser acompanhadas pelo Portal Nacional de Contratações Públicas, com dados de municípios, estados e do governo federal.
O Programa Impulsionar foi desenhado a partir dos desafios de redes de educação, com apoio sobre quais deles poderiam ser solucionados por inovações oferecidas pelas edtechs, de acordo com a coordenadora Carolina Koepke, que é sócia da Quintessa.
Entre as sete secretarias participantes da primeira edição, quatro escolheram soluções de apoio na gamificação da aprendizagem centrada no estudante, duas preferiram apoio na avaliação e uma buscou ajuda tecnológica na gestão de dados. Diferentes critérios foram considerados, como preço, adequação à infraestrutura existente, aderência às necessidades das redes, experiência na implementação de B2G (Business to Government, ou seja, relações comerciais entre empresas e governos) e alinhamento à BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
Foram verificados também: relevância e eficácia para superar o desafio proposto; grau de desenvolvimento da solução – histórico de implementação prévia e mensuração dos resultados gerados; viabilidade e maturidade do modelo de negócio (faturamento). “Tudo isso levando-se em consideração a visão do Marco Legal das Startups, e que preço não é o único critério”, ressalta Carolina. A mensuração de impacto pedagógico foi feita pela Germina. “Eles fizeram o acompanhamento dos resultados pedagógicos dos estudantes. O programa contempla a implementação das edtechs, mas muito mais que isso. Foram contratadas organizações de implementação do modelo pedagógico criado para o programa e organizações para realizar formações. O resultado foi super positivo na evolução da aprendizagem, principalmente em matemática.”
Um dos casos de sucesso foi a implementação da edtech Jovens Gênios – de aprendizagem gamificada via Inteligência Artificial – na rede da cidade de Domingos Mourão, no Piauí, segundo a coordenadora. “A rede utilizou o Marco Legal das Startups para contratação do teste da edtech (pago pelo programa). O teste foi bem-sucedido e depois a própria secretaria (com recursos próprios) contratou a edtech e seguiu com o uso.”
Saiba mais em: https://porvir.org/criterios-redes-adotar-contratos-edtechs/
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