O ano letivo de 2025 marca um renascimento nas interações entre estudantes. Embora ainda não seja possível mensurar com precisão os impactos dessa mudança no processo de aprendizagem, a Lei 15.100/2025, que restringe o uso de telefones celulares nas escolas, já provoca transformações perceptíveis no ambiente escolar.
Com esse novo contexto, ganha força a discussão sobre como integrar a tecnologia de forma intencional e alinhada aos objetivos pedagógicos. Se o principal elemento de distração dos estudantes foi retirado da rotina escolar, passando a ser reintroduzido apenas em momentos estratégicos com finalidade educativa, surge a questão: como garantir que o uso da tecnologia continue fazendo sentido na formação integral dos estudantes?
Entre os convidados para o debate, está o professor Ivan Siqueira, relator do texto da BNCC da Computação durante sua atuação no CNE (Conselho Nacional de Educação). Lançado em 2024, o documento estabelece diretrizes para o ensino da computação na educação básica. A proposta busca apoiar professores, inclusive aqueles sem formação específica na área, a planejar experiências significativas que considerem as demandas do mundo digital. Com uma trajetória que inclui a docência na rede pública de São Paulo, na USP (Universidade de São Paulo) e atualmente na UFBA (Universidade Federal da Bahia), Ivan também foi professor visitante no Japão e tem se dedicado à pesquisa em educação digital, interdisciplinaridade e políticas públicas.
Nesta entrevista a Ryan Nunes, Ivan comenta os impactos da legislação e analisa as desigualdades digitais ainda presentes nas escolas brasileiras. Confira!
Ivan Siqueira: A maioria das crianças e adolescentes não passa o dia todo na escola, fica só uma parte. Sabemos que mais de 80% dos estudantes brasileiros não têm acesso à escola integral e, na maioria das vezes, ficam sem celular apenas na jornada parcial. Para a maioria, portanto, a mudança é pequena. Mesmo assim, já temos lido pesquisas sobre maior aproximação entre os alunos, mais contato pessoal, a aquisição de hábitos perdidos ou esquecidos por conta do excesso de telas. Mas isso não significa que o aprendizado melhorou: ainda não temos dados sobre isso, é pouco tempo para ter essa avaliação.
Ivan Siqueira: A lei diz que o celular pode ser usado para atividades educativas, mas, para que isso aconteça, é preciso conexão e conhecimento. Os professores precisam ter treinamento, entender o que fazer. É necessário um preparo que ainda estamos construindo. Nem todas as secretarias de educação têm programas de formação continuada, e isso é tarefa delas. O MEC (Ministério da Educação), com a função de estabelecer diretrizes e orientar caminhos para a educação no Brasil, lançou guias e materiais com sugestões sobre como integrar a educação digital nas escolas. Mas o ministério não as administra diretamente, exceto em alguns casos, como nos Institutos Federais. O desafio está em adequar o conteúdo às realidades locais.
Ivan Siqueira: Cada professor e professora, dentro do seu contexto escolar, precisa responder: “O que vai ser ensinado? Como?” A BNCC da Computação oferece objetivos de aprendizagem, mas o “como” de cada abordagem depende de fatores contextuais, como o tipo de escola, a localidade e as características dos alunos. Por exemplo, em escolas indígenas ou quilombolas, a maneira de ensinar sobre segurança na internet será diferente daquela em uma escola urbana ou rural. Não é possível tomar uma decisão nacional única, da mesma forma, mas sim a partir do entendimento de realidades.
Ivan Siqueira: Por exemplo, nos anos iniciais do ensino fundamental, quando o foco principal está na alfabetização, é necessário refletir sobre como a cultura digital pode ser integrada: Para quê? Como? Com quais recursos? Que exemplos e materiais serão utilizados? Quais serão as tarefas propostas? Tudo isso ainda precisa ser construído.
E, nos anos posteriores, a partir do sexto ano, o desafio continua. Cada professora, cada professor, em sua respectiva disciplina, precisa se fazer a seguinte pergunta e construir uma resposta: o que vai ser ensinado? Existe uma diretriz que aponta ser necessário ensinar educação digital e há um grande esforço para implementar essas práticas, mas, na prática, ainda não há uma aplicação efetiva e uniforme em todo o país. O trabalho precisa ser feito de forma local, considerando as necessidades e especificidades de cada comunidade escolar.
Ivan Siqueira: O escritor e psicólogo Jonathan Haidt, que esteve no Brasil recentemente, fala que não basta proibir o celular. Uma das propostas dele é promover brincadeiras físicas na infância, que foram transferidas para o mundo online. Tirar o celular não resolve automaticamente isso. É preciso oferecer um conjunto de possibilidades, um trabalho concomitante, ou seja, incentivar o uso moderado do celular, para evitar que os jovens se viciem nele. No entanto, também precisamos oferecer atividades alternativas para que eles possam se engajar. E, infelizmente, essa oferta de atividades não é democrática.
Saiba mais em: https://porvir.org/escola-precisa-ensinar-mundo-digital/
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