Khan Academy lança no Brasil ferramenta de IA para professores

A nova geração de sistemas de inteligência artificial (IA) começa a ser incorporada às ferramentas educacionais já utilizadas pelos docentes. No início do mês, durante o evento “IA e inovação na educação pública”, promovido pelo Insper e pela Fundação Lemann, em São Paulo (SP), a plataforma educacional Khan Academy anunciou a chegada do Khanmigo para professores ao Brasil.

Assim como na versão voltada para estudantes, que utilizam o sistema para tirar dúvidas sobre tarefas escolares, a funcionalidade destinada aos docentes também assume um papel de tutoria. Seu objetivo é apoiar os professores na dinamização das aulas, na sugestão de atividades conectadas a exemplos práticos e no avanço do processo de personalização do ensino. 

Esse movimento sinaliza que as novas tecnologias estão se tornando cada vez mais acessíveis. O contato de educadores e estudantes com sistemas de inteligência artificial (IA) que simulam a interação humana já não é mais uma questão de “se”, mas de “quando”. 

Com a IA sendo incorporada a ambientes familiares da educação, os professores passam a ter mais segurança nas interações e encontram maior alinhamento com os currículos escolares, o que difere do uso de ferramentas como o ChatGPT, da OpenAI (Open Artificial Intelligence), ou o Gemini, da empresa Google, que são voltadas ao público em geral.

Como funciona o Khanmigo para professores

Com a ferramenta, é possível planejar aulas com mais facilidade, criar avaliações rápidas, elaborar rubricas e compor montar newsletters com relatórios de aprendizagem para as famílias. Basta informar o ano escolar, o tema e alguns detalhes da turma, e o sistema propõe ideias e materiais prontos para serem usados ou adaptados.

Além disso, o Khanmigo sugere maneiras de iniciar os conteúdos de forma mais atraente, utilizando ganchos criativos, relacionar os temas com situações do cotidiano por meio da contextualização e gerar exemplos práticos. Também permite adaptar os textos conforme o nível de compreensão da turma, um recurso destinado a respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem e as necessidades dos estudantes em sala de aula, oferecendo apoio à compreensão e ao engajamento.

Em uma outra vertente, a ferramenta também oferece apoio na parte administrativa e no desenvolvimento profissional dos docentes. Dentro da categoria de planejamento de aulas, os professores podem criar planos de aula completos e alinhados ao currículo, definir objetivos de aprendizagem claros e construir sequências didáticas bem estruturadas.

No eixo de criação de atividades, o Khanmigo permite gerar rapidamente testes, perguntas de múltipla escolha, sugestões de discussão e avaliações formativas, otimizando o tempo de planejamento de aula. A plataforma também pode contribuir para o acompanhamento do aprendizado, oferecendo modelos de feedback (retorno avaliativo), além de recomendações de atividades baseadas no desempenho dos alunos. Também estão disponíveis recursos como vídeos, quizzes (testes interativos) e materiais complementares para revisar ou aprofundar conhecimentos.

Presença de Sal Khan

O evento contou com a presença de Sal Khan, fundador da plataforma educacional Khan Academy. Ao longo de sua apresentação, ele relembrou o início da trajetória da empresa. Khan atuava como tutor de sua prima Nadia, que enfrentava dificuldades em matemática. Ele percebeu que o problema não estava relacionado à falta de inteligência ou de empenho, mas sim a lacunas acumuladas ao longo do processo de aprendizagem no modelo tradicional de ensino. A história é conhecida no meio educacional: os estudantes avançam de série mesmo sem terem compreendido plenamente os conteúdos anteriores, o que compromete a construção do conhecimento ao longo do tempo.

Inicialmente, a plataforma focava na resolução de problemas práticos com retorno imediato e vídeos de apoio sob demanda. Com o tempo, transformou-se em uma ferramenta voltada para exercícios de matemática e, posteriormente, ampliou seu escopo para abranger diferentes áreas do conhecimento.

No evento, Khan demonstrou entusiasmo com os avanços recentes da inteligência artificial (IA) e retomou um estudo do educador Benjamin S. Bloom para sugerir que, com o estágio atual dessa tecnologia, já é possível promover um salto significativo na aprendizagem. Segundo ele, a inteligência artificial pode permitir uma educação mais individualizada e personalizada, aproximando-se dos resultados obtidos por meio do acompanhamento um a um, que Bloom havia destacado como ideal para o aprendizado eficaz.

O fundador da Khan Academy disse que o Khanmigo tentou diferenciar o sistema para professores de um chatbot comum: “é um tutor com freios e contrapesos”, afirmou ao destacar barreiras de proteção da ferramenta de IA da Khan Academy. Na plataforma, as interações de menores de 18 anos são monitoradas, professores acessam históricos completos e resumos das conversas, garantindo transparência. Se um aluno digitar algo preocupante, o sistema alerta imediatamente educadores e até autoridades, criando uma rede de segurança digital. O diferencial, porém, está na forma de lidar com o conteúdo educacional: “Em vez de dar respostas prontas, a IA faz perguntas socráticas”, explicou. O objetivo é que o aluno raciocine por si só, um antídoto contra cola e dependência tecnológica. “Queremos que a IA não substitua, mas potencialize o aprendizado”, resume Khan.

Ao defender uma abordagem neutra diante de temas sensíveis para sala de aula, como debates políticos e religiosos, Sal Khan disse que “o sistema não toma lados”. Para ilustrar, relembrou quando um jornalista testou a ferramenta questionando a Segunda Emenda americana, que garante o direito ao porte de armas, com a afirmação “Armas são um absurdo!”. Em vez de concordar ou discordar, a IA orientou o usuário a refletir sobre o contexto histórico e considerar diferentes perspectivas. Khan apresenta outro exemplo do mesmo tipo, só que baseado em teorias da conspiração: quando alunos mencionam teorias como “Bill Gates implanta chips nas pessoas”, a ferramenta responde de forma educada, mas firme: “Não há evidências para isso”.

“O segredo está no equilíbrio”, explica o empreendedor. “Em debates polêmicos, promovemos o pensamento crítico; diante de informações sem fundamento, agimos como um filtro racional”. Essa abordagem permitiria ao educador explorar temas complexos sem cair em polarizações, mantendo o foco no desenvolvimento do pensamento analítico dos estudantes.

Tecnologia na rede pública

O evento também trouxe relatos de representantes das secretarias de educação do Ceará, Paraná e São Paulo, que contaram estão implementando diversas iniciativas e utilizando a tecnologia para aprimorar a educação em seus estados:

  • Ceará:O Ceará tem como foco a recomposição das aprendizagens, um desafio que se intensificou após a pandemia, especialmente na matemática, onde os resultados do Spaece (sistema de avaliação estadual é um programa da Secretaria da Educação do Ceará que avalia as competências e habilidades dos alunos de ensino Fundamental e médio) mostram que muitos estudantes saem do ensino médio sem os conhecimentos básicos. Para enfrentar isso, o estado instituiu a lei “Ceará Educa Mais”, que possui 17 estratégias, incluindo o “foco na aprendizagem”, uma estratégia de recomposição e fortalecimento das aprendizagens. O programa estadual “Mais Aprendizagem Matemática” oferece seis ações para fortalecer o ensino da matemática, incluindo: o projeto “Elas na Matemática”, que incentiva meninas nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM); laboratórios móveis de matemática; maratonas para estudantes e professores; comunidades de prática para troca de experiências; e incentivo à pesquisa docente, participação em eventos e publicações acadêmicas.
  • Paraná:O Estado tem um programa focado no uso da Inteligência Artificial (IA) para o aprendizado de matemática no 9º ano, utilizando a ferramenta Khanmigo para estudantes. Esse programa envolve 120.000 alunos e, em apenas um mês, registrou mais de 2 milhões de interações. De acordo com o secretário Roni Miranda, a plataforma permite que os alunos façam perguntas a qualquer hora, superando a timidez e a falta de oportunidade em sala de aula. Isso tem levado os alunos a desenvolverem cerca de 20 habilidades a mais por mês em comparação com aqueles que não usam a ferramenta.  Na rede, 600 mil estudantes utilizando a plataforma da Khan Academy para matemática, com 2.400 horas dedicada. Uma delas é um sistema de fluência de leitura baseado em IA, onde a inteligência artificial avalia os níveis de fluência dos alunos em menos de uma hora, fornecendo feedback detalhado aos professores. 
  • São Paulo:O secretário Renato Feder apresentou os painéis de monitoramento que mostram o uso de equipamentos e plataformas e de tecnologias em geral. Feder relatou que, dos 800 mil equipamentos disponíveis, cerca de 60% foram ligados em uma semana, com média de aproximadamente 50 minutos por dia. Para garantir o engajamento, a secretário afirma adotar duas estratégias: formação continuada de professores, com 850 especialistas focados em tecnologia, e compartilhamento de dados de uso e desempenho com educadores. A resistência dos professores é considerada baixa quando eles compreendem os benefícios, mas os alunos apresentam resistência média a alta devido à exigência das plataformas.

Exemplos de outros países

Na Índia, a Khan Academy está envolvida em um dos maiores sistemas educacionais do mundo, com mais de 1,4 milhão de escolas e 235 milhões de estudantes no ensino fundamental e médio. A maioria das escolas e estudantes está em escolas públicas e o ensino é multilíngue, com muitos estados tendo seu próprio currículo e material didático.

Um desafio significativo na Índia é a política de “não retenção” até o 8º ano, que permite que todos os alunos avancem para a próxima série independentemente do aprendizado adquirido, levando a grandes lacunas de aprendizagem. Os resultados em matemática são baixos, e o desempenho de estudantes em escolas públicas é significativamente inferior ao de escolas privadas.

Shubhra Mittal, diretora de programas governamentais da Khan Academy, contou que, diante desse cenário, quem lida com tecnologia educacional precisa recorrer a diferentes estratégias, mas o esforço é recompensado. “Estamos quebrando barreiras de gênero em certas partes da Índia. onde há a percepção de que matemática não é uma matéria para meninas”, disse. Entre as iniciativas locais, destacam-se:

  • Parcerias governamentais – Alinhamento do conteúdo com currículos locais e treinamento de professores para ampliar o alcance.
  • Acesso digital e flexível – Uso em casa e via celulares (55% em domicílio, 47% em dispositivos móveis) para contornar a falta de infraestrutura escolar.
  • Suporte aos professores – Atendimento via WhatsApp (2.000+ contatos/mês) e incentivo por meio de prêmios e reconhecimento.
  • Inclusão e engajamento – Combate ao medo da matemática e redução de barreiras de gênero, especialmente para meninas.
  • Letramento digital – Introdução de habilidades tecnológicas em escolas com pouca familiaridade com dispositivos digitais.

No Peru, a Khan Academy tem sido usada por mais de 2,5 milhões de estudantes desde 2018, e seu conteúdo é totalmente alinhado ao currículo nacional. A organização tem parcerias com entidades públicas e privadas em todos os níveis, incluindo escolas e universidades. Embora Lima, a capital, tenha desafios de conectividade e equipamentos, as escolas públicas são o foco principal, priorizando distritos com maiores necessidades e condições de internet e dispositivos.

A diretora de parcerias para a América Latina, Ghislaine Liendo Vidal, conta que no país são oferecidos cursos de 120 horas reconhecidos pelo governo, que garantem pontos para promoções e aumentos salariais (iniciativa que teve mais de 400 professores/diretores certificados em 2023).

“Em todos os níveis do sistema educacional de Lima, trabalhamos com autoridades regionais, que no caso de Lima, mas também com os especialistas, diretores, professores e, às vezes, até alunos. Todos têm um papel aqui e é isso que mantém todos engajados com a implementação”, afirmou.

“Antes, focávamos apenas no professor, e tínhamos casos de alto desempenho, mas esquecemos que o professor não é um ator isolado: é a escola inteira”, afirma Ghislaine, destacando uma mudança importante na estratégia. Agora, o trabalho se expandiu para diretores, professores de TI e toda a comunidade escolar, porque, frequentemente, “o sucesso de um docente não vem dele sozinho, mas do ecossistema ao seu redor”. O monitoramento também se tornou mais rigoroso: “Se apenas alguns professores usam a plataforma, alertamos o distrito, porque a transformação deve ser coletiva”. Esse aprendizado, fruto de anos de experiência, mostra que a inovação educacional só se sustenta quando toda a escola está engajada.

Em uma fala que encerrou o evento, Sidnei Shibata, diretor executivo da Khan Academy para a América Latina, lembrou que o avanço tecnológico na educação não seria possível sem os professores, que são a chave para motivar e guiar os alunos. Ele argumentou que não existem “alunos desmotivados”, mas sim alunos que perderam a vontade de aprender. O papel do professor é reacender essa motivação intrínseca, utilizando ferramentas e preparação adequadas.

Saiba mais em: https://porvir.org/khan-academy-ferramenta-ia-professores/


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